top of page

Recensões

                             Literaturas africanas de língua portuguesa:

     Breve reflexão sobre sua inserção no currículo educacional brasileiro

 O exame do ENEM de 2015 contou com temas e discussões importantes e atuais para as reflexões dos estudantes brasileiros, a exemplo da violência contra a mulher. Além disso, propôs um intercâmbio com as literaturas de língua portuguesa dos países africanos, trazendo o poema “Voz de Sangue”, do escritor angolano Agostinho Neto.

As mudanças estruturais da prova são exemplos das transformações que vêm acontecendo no sistema educacional. As instituições escolares têm reformulado seus currículos, oferecendo aos alunos reflexões não apenas sobre o contexto brasileiro, como também de outros países de língua portuguesa. Por isso, o nome de Agostinho Neto tem surgido, tanto no Enem, como nos materiais de ensino de muitas escolas do país.

Esse processo de reformulação educacional esteve pautado, principalmente, nas leis 10.639/03 e 11.645/08, que têm como proposta a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira no Ensino Básico. E, aos poucos, assim como Neto, passamos a encontrar nas salas de aulas e bibliotecas escolares alguns outros nomes africanos, como o moçambicano Mia Couto e o angolano Ondjaki.

Contudo, encontrar um livro africano em uma biblioteca de uma escola brasileira não quer dizer que ele, de fato, chegue aos estudantes. Afinal, as literaturas africanas de língua portuguesa ainda são pouco estudadas nos cursos de graduação e pós-graduação do país. Por conta disso, poucos são os profissionais da educação capacitados para trabalhar com esses textos.

Os estudos da crítica literária sobre essas literaturas foram iniciados no Brasil na década de 80, momento em que os países africanos de língua portuguesa haviam conquistado suas Independências (Guiné Equatorial, em 1968; Guiné-Bissau, em 1974; Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, em 1975). Um cenário frutífero e propício para a visualização e disseminação das expressões artísticas desses países.

A crítica, assim, rememora o período colonial desses locais para construir uma historiografia dessas literaturas, analisando escritores que se apropriaram de uma arma poderosa contra o colonialismo, a palavra. Neste âmbito, o nome de Agostinho Neto é essencial para entender que a luta pelas Independências desses países não era apenas uma batalha nas frontes, mas sim um combate político-ideológico, visto que as tradições culturais artísticas, como a literatura, eram imprescindíveis para alcançar a consciência de todos os explorados. Ação essa que se reflete em seu poema “Adeus à hora da largada”, do livro Sagrada Esperança: “Eu já não espero/Sou aquele por quem se espera” (NETO, 2009, p.41).

Muitos foram os escritores africanos que priorizaram um discurso engajado na composição de seus textos. Podemos citar mais alguns nomes, a exemplo de Viriato da Cruz, em Angola; Amílcar Cabral, na Guiné-Bissau; Alda do Espírito Santo, em São Tomé e Príncipe, Noémia de Souza, em Moçambique, entre outros.

Já no período Pós-Independência, alguns escritores propuseram uma contribuição artística de resgate das tradições culturais africanas, mas com a consciência de que tanto o tradicional como o moderno nessas culturas são elementos fulcrais que não podem ser esquecidos, a exemplo dos textos de Luandino Vieira e Mia Couto. Já outras, como a escritora angolana Ana Paula Tavares e a moçambicana Paulina Chiziane, refletem sobre a tradição rural de seus países junto aos conflitos contemporâneos em relação á mulher. Perspectivas atuais e menos utópicas sobre as Independências.

Estudos e reflexões que ainda são incipientes na sociedade brasileira, e em seus currículos educacionais. Todavia, são iniciativas como a do Ministério da Educação, durante as gestões do Partido dos trabalhadores (PT), os trabalhos de resistência dos poucos acadêmicos nas Universidades públicas brasileiras, na construção de Programas, Grupos e Centros de pesquisas na área, além das reivindicações do Movimento Negro, é possível observar as literaturas africanas de língua portuguesa como parte de um importante material para nossa sociedade. E, cada vez mais, a consciência e interesse dos estudantes e profissionais da educação sobre essas expressões artísticas têm se ampliado.

Este é o papel da literatura. Esta é a chave de tantas outras mudanças positivas. Nas palavras do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho:

Um texto é como um esforço de existir. A intenção de um lado, uma moral herdada. Do outro lado, o curso das palavras, a esteira de seu eco, os sons e os gestos seguidos uns aos outros, um som que pede um som e essa resposta é já um bolbo de emoção autónoma, para florir madura, à revelia da intenção primeira .

(CARVALHO, 2005, p.229)

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Ruy Duarte de. Lavra. Poesia reunida 1970-2000. Lisboa: Edições Cotovia, 2005.

NETO, Agostinho. Sagrada Esperança, Renúncia Impossível, Amanhecer. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2008.

bottom of page